sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Sinos


Após uma longa noite de sono profundo, ele acordou pela manhã gélida daquela cidadezinha de interior. Seu nome não importava mais, era o que ele pensava agora. Na verdade, nunca importou antes também. Após se olhar no espelho por alguns segundos e notar mais uma suntuosa montanha de pus se formando em sua testa, se deu conta do que havia acontecido realmente na noite passada. Sua barba estava mal feita, mas mesmo exercendo o cargo de confiança e respeito que ele tinha não se importava com isso.

O vermelho quase púrpura de seus olhos o entregava a um carrasco mental, cuja sentença já sabia muito antes de pensar em cometer qualquer crime. Ele agora se debruçava sobre a pia, a água fria escorria pela torneira, inundando cada vez mais a pia. Mas o que isso importava também? Voltando para o quarto deu de cara com o velho relógio na parede. Era relíquia de família, pertencendo a mais gerações antes dele do que se imaginara.

O relógio marcava exatamente seis horas da manhã. Seus olhos, agora se descolorindo do vermelho vibrante de poucos minutos atrás, se fecharam frontalmente àquela peça de museu, e analisaram vagarosamente o caminhar dos ponteiros. “Meu Deus! O que esta acontecendo em minha mente?!”, martelava em sua cabeça agora.

Ele não era velho, mas já aparentava as pequenas rugas de experiência no rosto. Ao longo de sua pequena vida, pode extrair muitos conhecimentos por onde passou, o que o deixou, ao longo dos anos, com a aparência de mais velho. Mas isso também não importava. Aliás, nada mais importava. Era outro pensamento que martelava suas têmporas.

Agora já eram seis e meia da manhã. O rangido dos velhos ponteiros sujos e empoeirados já não o incomodavam mais. Aquele zumbido matinal que era freqüente em seu ouvido, agora estava diminuindo. “Acabou!”, aliviado, ele se deslocou para a cozinha. Ao abrir sua geladeira, reparou que, mais uma vez, seu banquete matinal seria o de um plebeu e não de um rei. Mas ele também não se importava com isso. Estava muito preocupado para notar que o leite que tomara estava vencido fazia anos. Na despensa, não conseguiu recuperar mais do que dois biscoitos para acompanhar seu desjejum.
Agora ele estava vestido com seu traje formal de trabalho. Usando uma gravata vermelha e um terno preto, se dirigiu até sua sala de escritório. Durante o caminho, percebeu algo estranho. As pessoas e a paisagem pareciam sem cor. Tudo parecia preto e branco, como se estivesse em uma tira de quadrinhos iguais aos que lia quando criança.

A princípio se assustou com o fato, porém, o que importava isso também. A vida é muito sem graça mesmo, esse fato só realça aquilo que vejo e sinto todos os dias. Nada mais importa apenas o que havia acontecido na noite anterior. E mesmo assim, isso apenas importava porque foi....De repente, uma forte dor inundou sua cabeça. Um tilintar de sinos então começou uma sinfonia uníssona em sua mente. Daí, ele se deu conta. “Se era tão importante assim o que havia acontecido por que então na se recordava mais?!”

Nenhum comentário:

Postar um comentário